É conversando que a gente se entende?

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Sacrifício

Ela fuma um cigarro olhando a água, que reflete a luz de uma lua quase cheia. Vê quando a sombra distante vai diminuindo no chão, até que ele aparece no pé da escada.

Ele: Tá aí?
Ela: Sempre.

Ele se aproxima. Se senta no banco branco, e dá um tapinha no assento, como tantas outras vezes havia feito, chamando-a. Ela obedece prontamente.

Ele: Que há?
Ela: Não sei.
Ele: Sabe sim. Não sabe?
Ela: Sei sim.
Ele: Que há?

Silêncio.

Ela: São todas essas coisas, todas essas dúvidas, todo esse vazio.
Ele: Me deixa preencher seu vazio.
Ela: É um vazio impreenchível, que nem eu consigo preencher...
Ele: Toda vez que eu vou embora penso como seria se você morasse na rua de baixo.
Ela: Eu não moro na rua de baixo, não moro nem na cidade de baixo.

Silêncio.

Ela: Sinto que esse é um momento em que tenho que olhar prá mim... Difícil olhar prá outra pessoa agora. Às vezes sinto que estou dando tão pouco de mim, perto do que poderia ser.
Ele: O que você me dá tem sido suficiente.
Ela: Não para mim.
Ele: Entendi.

Silêncio.

Ele: Só espero que da próxima vez que você colocar outro dentro da sua casa, ele enxergue você e a sua família com o mesmo respeito que eu enxerguei.
Ela: Não tem outra pessoa, não tem ninguém. Se tivesse seria mais fácil... Seria mais fácil te tirar da minha vida pensando que outro vai entrar, mas não tem ninguém, não tem outro.
Ele: Esse orgulho você pode ter: dei o melhor de mim, ia pras festas e não via graça. Vinham outras mulheres e não tinham graça.

Silêncio.

Ele: Esse orgulho você leva prá sua vida, você foi a segunda que eu coloquei dentro da casa da minha mãe, que conheceu a minha vida.
Ela: É um orgulho, de verdade...
Ele: Gostei de você.
Ela: Eu gosto de você.
Ele: Não da mesma forma. Mas a vida é assim. Fui além, vislumbrei além, desejei além. Você não. Acontece.

Silêncio.

Ela: Tá bravo?
Ele: Chateado.
Ela: Decepcionado?
Ele: Frustrado.
Ela: Me desculpa.
Ele: Não tem de quê.

Silêncio.

Ela: Nesse momento prefiro ser sua amiga... Por mais que eu tenha certeza de que posso me arrepender.
Ele: Se você se arrepender a gente conversa de novo.
Ela: Você vai querer me ouvir?
Ele: Sempre.

Silêncio.

Ele: Foi bom enquanto durou. Me diverti muito. Aprendi muito.
Ela: Não é uma despedida.
Ele: A despedida já foi e eu não sabia que tava me despedindo.
Ela: Nem eu.

Andam até a porta da pequena casinha onde ela está dormindo.

Ela: Você vai prá cidade?
Ele: Vou tomar umas cervejas por aí.
Ela: Onde você vai?
Ele: Vou ver se me acho numa dessas curvas.
Ela: Você vai se cuidar?
Ele: Sempre.

Silêncio.

Dia seguinte, reunião com vista para o lago. O céu azul faz contraste com o verde das árvores. Calor. Sol quente. Lembranças de um final que podia ser um começo. Ela procura seus olhos mas eles estão vermelhos. Muitas cervejas para tomar e poucas curvas para se encontrar.

No abraço de despedida ela sente o coração bater forte.

Ele: Se cuida.
Ela: Sempre.
Ele: Boa sorte.

Foi bom enquanto durou.

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