É conversando que a gente se entende?

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Pseudônimo

Ele entra na sala e a mira, sentada no sofá. Ela não parece notar sua presença, de pé ali, cigarrinho pendendo da boca, óculos de aros de tartaruga. Ele pensa por um instante no que fazer, coça a barba rala e, por fim, decide se aproximar.

Ele: Olá.

Ela pára de falar no mesmo instante em que ouve a sua voz. As pessoas a sua volta também dirigem a atenção àquele homem ali parado, cigarrinho pendendo da boca, óculos de aros de tartaruga.

Ela: Olá você também.
Ele: Incomodo se eu me sentar?

Ela olha rapidamente para os amigos à sua volta e eles se espremem no sofá ao seu lado.

Ela: Lógico que não. Nós... nos conhecemos?
Ele: Eu te conheço muito bem... Mas eu sou um desconhecido para você.
Ela: E de que forma isso seria possível?
Ele: Leio cada palavra que você escreve.

Ela se desmancha em um enorme sorriso.

Ela: Verdade? Que bacana saber disso.
Ele: Bacana é descobrir que você existe de verdade, que não é um alter-ego de algum outro escritor... Como é que se chama isso, mesmo?
Ela: Pseudônimo?
Ele: Exatamente...
Ela: Nunca tinha pensado nisso. Que alguém pudesse achar que sou o pseudônimo de alguém.
Ele: Então escreva sobre isso.

Os amigos que a rodeavam já se afastaram, talvez por considerarem-se excluídos da conversa, talvez porque a conversa de um escritor e um leitor não seja lá tão interessante quanto possa parecer a princípio para pessoas que não sabem de quais palavras estão falando. Ele parece perceber isso e diz:

Ele: Acho que estraguei seu papo.
Ela: Você não estragou nada – acende para si um cigarro – E eu não estava vendo sentido mesmo em passar a festa inteira aqui sentada, ouvindo as pessoas falarem de seus trabalhos como se estes fossem suas vidas.
Ele: mas não continuamos falando sobre seu trabalho?
Ela: Meu trabalho é ser psicóloga, escrever é meu hobby.
Ele: para uma psicóloga você é uma linda escritora.
Ela: Muito obrigada. – sorri, ligeiramente corada – E você, quem é?
Ele: Meu nome é Fábio.
Ela: Muito prazer, Fábio.
Ele: O prazer é todo meu. – Ele apaga o cigarro no cinzeiro – Eu acabei de chegar aqui esperando encontrar um amigo, mas ele não está...
Ela: Ele não está perdendo nada então.
Ele: E você? Gostaria de perder esta festa também?
Ela: Como?
Ele: Vim mesmo só por causa do meu amigo, e ele não está. Não conheço ninguém a não ser minha escritora predileta. E sei que você adora jogar sinuca.
Ela: Hum...
Ele: E por feliz coincidência tem uma aqui do lado.
Ela: Hum...
Ele: A não ser que você prefira continuar ouvindo as pessoas falarem de seus trabalhos como se estes fossem suas vidas...

No dia seguinte ela escreveu:

Ei, você!
Dá prá devolver meu coração?

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