É conversando que a gente se entende?

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Lost in Translation

Ela não queria nada e queria tudo ao mesmo tempo. Acendeu o cigarro e fumou sem pressa, ciente de que cada minuto a mais era um a menos.

Ele – Por onde andou?

Ela, que nem tinha notado sua presença virando a esquina, levou um susto.

Ela – Eu? Por aqui, por ali, em todos os lugares, em lugar nenhum.
Ele – Tenho sabido de você por outras bocas... Como você está?

Ela sente o gosto frio do metal em sua boca. Era só o que faltava. Depois de tanta coisa e na primeira vez que se encontram os pontos do ciso recém arrancado estouram. Não pode sorrir e mostrar aquele líquido vermelho e espesso nos dentes.

Ela – Estou bem, acredite.
Ele – Se você diz eu acredito.
Ela – E você? Por onde tem andado?
Ele – Por aí, ando meio sem rumo, ando meio sem pressa. Ando com saudade.
Ela – Saudade é bom porque mostra que o que passou valeu à pena.
Ele – Melhor do que isso só saber que o passado pode ser presente.

Esforçava-se por não falar demais, o sangue estava ali difícil de ser angolido às pressas, temia engasgar-se. Seus olhos a fitavam incólumes, inefáveis, e ela se sentiu ser transportada para um passado distante, em que dunas e rios eram presentes mais presentes do que aquele sangue na sua boca, do que aqueles pontos estourados, do que o cigarro que quimava seus dedos.

Ele – Olha, vamos dar uma volta, vamos até a praia. Tem coisas que eu queria te dizer.

Sem pensar duas vezes foi.
Todo o seu juízo havia sido arrancado junto com aquele dente.

E os pontos também estouraram.

Nenhum comentário: