É conversando que a gente se entende?

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Paralelo

Duas horas atrás ela ouvira a conhecida buzina e correra a abrir o portão. Não o encontrou ali, nem em parte alguma. Havia estado estranho o dia inteiro e ela havia se sentido incomodando quando ele quase gritou ao telefone que precisava trabalhar. Há duas horas atrás constatara que perturbado havia estado ele.

Mensagens em seu celular. Ela havia encostado a cabeça em seu peito, naquela mesma manhã.

Ela: Seu coração está acelerado...
Ele: Estou nervoso com o teste de hoje. – Havia se levantado da cama em um pulo. – Tenho que ir.
Ela: Você trabalha hoje à noite?
Ele: Não sei ainda. Te ligo.

Ao entrar no carro fez uma tempestade em um copo d’água por ter se esquecido dos óculos escuros no trabalho. Aquilo não havia sido nada perto da tormenta que estava por vir.


.

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Duas horas antes ela havia aberto o portão sorrindo e o beijado, como de costume. E, contrariando as expectativas, ele virou o rosto.

Ele: Estou triste.
Ela: Porquê?
Ele: Vi umas coisas no seu celular hoje de manhã. Mensagens dele, mensagens suas.
Ela: Que mensagens? Dele quem?
Ele: Dele ué. Você sabe.
Ela: Não, não sei.
Ele: Dele te chamando de princesa. De coração.
Ela: Não estou entendendo do que você está falando.
Ele: Dele. Do marinheiro.
Ela: O que tem ele?

Silêncio. Ele fuma um cigarro nervosamente. Não a olha nos olhos. Fita o movimento da rua.

Ela: Fala comigo.
Ele: Não sei o que dizer.

Ela sente o estômago se transformar numa colméia de abelhas.

Ele: Você está tendo alguma coisa com esse cara?
Ela: Lógico que não!
Ele: Mas sabe... A culpa disso é minha. Não é sua.
Ela: Culpa de quê?

Ela sente a voz afinar, sente o choro entalado na garganta.

Ele: Disso. Eu não tenho tempo para você. Nunca estamos juntos.
Ela: Mas não está acontecendo nada! Ele é um amigo!
Ele: Mas rola um affair.
Ela: Não de minha parte.
Ele: E da parte dele?
Ela: Sim, ele fala coisas. E ontem mesmo conversei com ele sobre isso. Que não gostava do tom que ele usava comigo às vezes, céus! Que ironia!
Ele: Vou dar uma volta.

Anda na direção do carro, abrindo a porta.

Ela: Não, fica aqui comigo. Vamos conversar.
Ele: Não tenho cabeça. Suas amigas estão aí.
Ela: Eu mando elas irem embora.
Ele: Vou tomar uma cerveja. Mais tarde eu volto.

O que era um choro discreto se transforma em lágrimas gordas que escorrem pelo canto do olho, borrando-lhe a maquiagem.

Ela: Você não vai voltar.
Ele: Vou sim.

.
.

Fazia duas horas que ela esperava. Esperava ouvir a buzina, tão sua conhecida. As luzes do sensor de movimento do portão se acenderem. Talvez ele sair do carro e gritar seu nome. Fazia duas horas que ela olhava a Lua e tentava entender, sentada encostada naquela árvore que ela havia plantado, anos atrás, em que ponto do filme havia dormido, perdendo um capítulo.

Quando as costas doeram ela se deitou na rede, sempre olhando a Lua, sua Deusa. Sua Deusa de tempos idos, quando ela ainda acreditava em tantas coisas, quando haviam tantos pontos de exclamação e tão poucas reticências.

A luz do sensor de movimento não se acendeu porque ele não embicou o carro na garagem, apenas o encostou ali, no meio-fio. Ela abre o portão e ele entra sem dizer palavra. Sentam-se na sala.

Ela: Porque você fuçou no meu celular?
Ele: Fucei para passar o tempo. Enquanto não dava a hora de acordar.

Mentira. No vocabulário dele não existia a expressão “esperar dar a hora de acordar”. Ele era preto no branco em alguns aspectos. Ou dormia ou acordava. Não ficava deitado na cama esperando dar hora alguma.

Ele: Eu pensei nisso o dia inteiro. Desde o momento em que você disse que meu coração estava batendo forte, hoje de manhã.
Ela: Por isso você me tratou daquele jeito de manhã. Por isso você falou comigo ao telefone daquele jeito. Eu achei que estivesse te perturbando.
Ele: Eu é que estava perturbado.
Ela: Você pensou nisso o dia inteiro. Eu não. Fiquei no escuro, sem saber do que estava acontecendo. Dormi no ponto e perdi o bonde da história.
Ele: Esse cara fica te falando merda!
Ela: Fica, sim. Ou você acha que só você tem olhos para mim? Só você me nota? Eu levo uma vida de solteira mesmo namorando com você, eu estou sempre sozinha. Eu entendo o seu trabalho, mas todas as minhas amigas são solteiras e quando existem três mulheres sozinhas juntam-se seis homens em volta. Mas isso não quer dizer nada!
Ele: Quer dizer que eu deixo existir um buraco na sua vida. O que eu te proporciono? Cansaço, as duas da manhã. Do que eu te falo? De problemas do trabalho, entre as duas e as nove? É isso que você quer ter?
Ela: Até agora era, sim.

Ela agora chora copiciosamente. Não sabe onde está, em que língua fala. Não o conhece, sentado à sua frente. Aqueles olhos não são os mesmos que a olharam tantas vezes enquanto ele sorria. Aqueles minúsculos pés de galinhas se formando ao seu redor.

Ela: Eu tentei me colocar no seu lugar, mas não consegui.
Ele: Porque não?
Ela: Porque você não mudou a sua vida por minha causa. E não te digo isso te jogando nada na cara, te cobrando qualquer coisa. Te digo porque eu tomei as minhas decisões e não me arrependo de nenhuma delas. Mas eu mudei para cá por sua causa. Sem nunca você ter nem ao menos me incentivado a isso, apenas por eu gostar de você tanto assim... Eu te peço tão pouco... O que eu te cobro?
Ele: E mesmo assim eu não passo de uma pedra no seu sapato. Um bloqueio, muito mais do que um parceiro.

Lembranças, lembranças, lembranças. Tudo o que lhe ocorre enquanto ele fala são lembranças. Da primeira vez em que se beijaram. Da primeira vez em que fizeram amor. Dos dois fazendo sand board nas dunas de Floripa. Jantando discutindo negócios, tomando sorvete assistindo televisão. Ele, dentro dela, há menos de 24 horas.

Ele: Este espaço vazio existe porque eu não sou um bom namorado. Porque eu me pergunto, em que fase da minha vida eu estou? O trabalho vai aumentar. Vai piorar. E você vivendo a sua vida, eu te empacando.
Ela: Mas eu prefiro isso a estar sem você!

Silêncio.

As lágrimas caem pesadas e ela sente medo da pergunta que fará em seguida.

Ela: E você? Gosta de mim?
Ele: Gosto.
Ela: O suficiente para ficar comigo?
Ele: Não sei.

Silêncio.

Ela: Eu não estou acreditando nisso... Eu achei que você fosse chegar e eu fosse esquentar comida para você. E, de repente... Isso...

Silêncio.

Ele: Quero ir embora.
Ela: Mas é lógico que quer.
Ele: Porque lógico?
Ela: Porque é o mais fácil. Pode ir.

Mas ele fica. E permanece em silêncio. Quando ela fala ele não consegue responder. Quando responde, tudo o que diz é “não sei”.

Ela: Então está na hora de você pensar para ficar sabendo alguma coisa.
Ele: Certo.

E se levanta para ir embora.

Ela: Então é isso.
Ele: Isso o quê?
Ela: Isso. Você veio para terminar comigo, para dar um tempo. Nada do que eu estou dizendo está entrando na sua cabeça. Não está adiantando nada eu dizer que gosto de você, que quero continuar com você, mesmo que seja do mesmo jeito. Você veio de cabeça feita.

Silêncio.

Ela: Você me conhece há anos, estamos juntos há dez meses. Sabe de tudo o que eu faço por você. Diz que gosta de mim mas não sabe se quer continuar na minha vida. É isso?
Ele: É.
Ela: E tudo isso por causa de uma mensagem?

Silêncio.

Ela: O que eu fiz de errado?
Ele: Nada! Você não fez nada de errado, só que...
Ela: O quê?
Ele: Nada, você não fez nada de errado.
Ela: O que?!
Ele: Eu não sei o relacionamento que você tem com esse cara.
Ela: Olha prá mim. O que você vê?
Ele: Como assim?
Ela: Eu passo o dia te esperando chegar, o que você acha? Qual você acha que é meu relacionamento com ele?
Ele: Você chegou ontem e já passou na casa dele...
Ela: Sim, e passei na casa da Di também. E na casa da Sïlvia.


Silêncio.

Ela: Pelo que você me conhece, pelo que sabe que eu sinto por você... Você acha que eu faria isso?
Ele: Não sei. Acho que não, mas as mensagens...
Ela: Mas as mensagens eu recebi, não fui eu quem as enviou! Não é possível que tudo isso seja por causa das mensagens.

Silêncio.

Ela: Você não sabe se quer continuar comigo?
Ele: Eu não tenho sido um bom namorado.
Ela: Então, se gosta de mim, mude, não termine comigo!
Ele: Já tentei mudar. Não consegui. Eu não consigo te dar o que você quer.
Ela: Mas eu é que teria que decidir se está bom ou não!
Ele: Mas não está bom!
Ela: Então não está bom para você.

Silêncio.

Ela: Se você está aqui para tentar me convencer a terminar com você, esqueça. Eu não vou terminar com você. Eu gosto de você, nestes 10 meses eu te respeitei, nunca agi como uma pessoa que não está comprometida. Eu gosto de você e não quero ficar sem você. Se você quer terminar comigo então seja homem e termine.

Silêncio.
Silêncio.
Silêncio.

Ela faz menção de dizer algo, mas se cala. Não existem, em seu idioma, palavras que caibam na situação.

Ele: Fala.
Ela: Não tenho mais nada para falar.
Ele: Vou embora.
Ela: Tá bom...

Ele se levanta. O abraço é apertado, mas ela permanece sentada no sofá. Chora um pouco mais, ele beija seu rosto no exato ponto em que uma lágrima acaba de tocar a pele.

Ele se vira de costas e vai embora.
Mas, desta vez, ela não se levanta para abrir o portão.
Não vai acompanhá-lo enquanto ele sai de sua vida.
Ele que caminhe, com suas próprias pernas, para a saída.

Ouve a batida do portão e cai em prantos.

Retas paralelas, sem nunca de fato se encontrar.

7 comentários:

Anônimo disse...

Jesus fucking christ!!!

Que diabo é isso? "ME PERDOA PELO QUE EU NÃO TE FIZ!"???
Não sei nem o que dizer...
Os homens adoram dizer que mulheres são complicadas. Mas olha pra isso!!!!

Não dá pra entender!

Mercy

Anônimo disse...

seja lá o que isso signifique, tudo o que vc escreve é sempre delicioso.

seja lá o que isso signifique, espero que vc não esteja triste.

beijos

Flavia Melissa disse...

E alguém por favor se lembre de me matar por eu ter escrito "abrido"!

Eca!

Anônimo disse...

kd tu no msn?
respondeeeee

Alice Salles disse...

O QUEEEE ta aconteceeeendo!?

marcos disse...

Indescritível.
Espero que não seja autobiográfico.
Todo mundo devia ler o que você escreve. É sério.

Fernanda S. disse...

Sem um comentário...
Nada a dizer