Diálogos

É conversando que a gente se entende?

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Na fila do banco

eu: ando meio safa dessa história de relações triangulares.
meu amigo: quando é triangular tá de boa...
eu: hein?
meu amigo: pior é quando são aquelas relações hexagonais, talvez octogonais, imagina?
eu: mas espera, nenhuma figura geométrica tem menos do que três lados. precisa de no mínimo três lados prá ser uma figura geomátrica, não precisa??
meu amigo: no mínimo.
eu: gosh!
meu amigo: holly-fuck!

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Pode fingir que tá de boa.

(Tua luta contra teu próprio olhar te entrega sempre)

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Tito dialoga

"Olhares que pareciam os primeiros depois de todos os outros que jamais voltaram a acontecer. Ela olhava como se fosse dona das suas próprias decisões, mas com a certeza de que essas sempre saíam do seu controle e as conduziam para os melhores momentos. Procurou desviar quando encontrou os meus que eram surpresos pelo encantamento que eu havia desistido de procurar.

Da última vez que falamos, ela me perguntou meio que por brincadeira depois que nos despedimos:
- Está sozinho?
Minha resposta, como sempre, foi cheia de drama e hipérbole.
- É, acabaram de me deixar.
Ela provocou, de um jeito bem dela, como quem fala pelos cotovelos, até mesmo com um desconhecido no trânsito.
- E quem foi que te deixou?
As palavras não passaram pelo processador de pensamentos. Minha vontade é sempre maior que minha razão.
- Ainda não sei dizer.

Continuo sem saber. "

Por Felipe "Tito" Belão Iubel, o mais Melisso de todos os homens, que traduz exatamente o que eu sentiria/pensaria/faria se fosse XY ao invés de XX.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

... so high.

Flavia Melissa Isolda diz:
Eu tenho tentado escrever, mas...

Faz tempo que as palavras não encaixam
Sempre sobra ou falta alguma coisa
Damasco diz:
Eu gosto quando sobra falta
Flavia Melissa Isolda diz:
Eu já gosto quando adoça a boca na medida certa
Doce demais também enjoa
Damasco diz:
Eu queria saber desse enjôo
Enjôo do que mesmo?
Flavia Melissa Isolda diz:
Do que de tão leve perdeu o peso
Puf!
Sumiu
Damasco diz:
E de repente tudo que se tem é nada
Flavia Melissa Isolda diz:
Sacou?
Damasco diz:
Ô...

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Just behind

Tom diz:
o problema é que vc é decente demais prá transar por transar, então meio que obriga os homens que querem te comer a namorar com vc, quando na verdade só o sexo já seria bacana e pronto...
Flavia diz:
Eu não faço isso!
Tom diz:
Claro que faz. Sem querer, é claro. Mas faz.
Flavia diz:
Hmmm
Tom diz:
Não dá prá transformar tesão em amor. Amor é amor, tesão é tesão.
Flavia diz:
Hmmm
Tom diz:
Vc corre demais atrás do amor. Corre atrás, sacou?
Flavia diz:
Saquei, sim.
Flavia diz:
Saco.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

SMS

Ele diz:

“carrefour, quer algo?”

Ela diz:

“ Você, pôr do sol e uma rede no meio do mato. Pode ser?”

Ele diz:

“Só se for pelo prazo mínimo de 10 anos”

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Sweetness

- ... e eu não aguento mais ficar nesse vai e vem, de nunca saber onde estão as minhas roupas, de ter que dirigir horas e mais horas prá, de repente, em cima da hora, desmarcarem o compromisso e eu ficar lá à toa.
- Então eu tenho a solução perfeita.
- Qual?
- Larga tudo e vem de vez prá cá. A gente mora junto, dá um jeito.

Pensa, logo existe.
Logo incide, logo insiste.
Persiste.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Poor Guy

Ela: Fiquei sabendo que o Ronaldo Fenômeno é um ótimo jogador de truco!
Eu: Nossa, jura? Porquê?
Ela: Porque ele jura que tem espada, esconde o ouro, descarta a dama de copas e fica com o três de paus!

(Mmmmm...)

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Ain't come back

- o pior cego é o surdo diz:
vim dar um beijo
- o pior cego é o surdo diz:
vou pra prudente
- o pior cego é o surdo diz: ver minha mãe e meu avô
- o pior cego é o surdo diz:
semana que vem to de volta
- o pior cego é o surdo diz:
vou fugir da virada cultural
- o pior cego é o surdo diz: hahahahah
Flavia Melissa diz:
causidikê? -
o pior cego é o surdo diz:
esqueci da virada e prometi prá minha mãe que ia
- o pior cego é o surdo diz:
agora nao posssso voltar atrás
- o pior cego é o surdo diz:
nao se volta atrás com uma promessssa para mulher
- o pior cego é o surdo diz:
dá muito trabalho
- o pior cego é o surdo diz:
melhor cumprir o prometido.
Flavia Melissa diz:
hahaha
Flavia Melissa diz:
ótimo
Flavia Melissa diz:
isso mesmo, muito bem
Flavia Melissa diz:
aprendeu direitinho.

Touch of Sweetness

●๋• beijos hotdog diz:
Zoinho sozinho!
Flavia Melissa diz:
Napoleão!
●๋• beijos hotdog diz:
Isolda e Tristão
Flavia Melissa diz:
Ofélia e o outro que eu esqueci o nome!
●๋• beijos hotdog diz:
Escreve tudo. Nomes, endereços, telefones
Flavia Melissa diz:
Hello gorgeous
●๋• beijos hotdog diz:
Your little pain got kicked out of God
●๋• beijos hotdog diz:
Quanto tempo e eu sem nada
Flavia Melissa diz:
E eu sem quase tudo
●๋• beijos hotdog diz:
Qual das duas?
Flavia Melissa diz:
A bem da verdade somos mil
●๋• beijos hotdog diz:
Agora gostei de ver
Flavia Melissa diz:
Mas 500 se encaixam em Flavia, outros 500 em Melissa
●๋• beijos hotdog diz:
É o começo do fim do sofrimento
●๋• beijos hotdog diz:
Não crie mais monstrinhos
●๋• beijos hotdog diz:
Eles são sapecas
Flavia Melissa diz:
De tão sapecas nem mais são monstrinhos
Flavia Melissa diz:
São bolhas de sabão, prestes a estourar
Flavia Melissa diz:
Todas coloridas
●๋• beijos hotdog diz:
Gosto das nossas tentativas e palavras
Flavia Melissa diz:
Você é doidinho eu eu gosto
Flavia Melissa diz:
Você é barulho de cachoeira e cheiro de passarinho quando canta
●๋• beijos hotdog diz:
Apenas um susto
Flavia Melissa diz:
Às vezes é poeta demais pro meu entendimento
●๋• beijos hotdog diz:
Felicidade é coisa chata, imagine um poema feliz que coisa besta
●๋• beijos hotdog diz:
A inteligência é triste
●๋• beijos hotdog diz:
A arte então...
●๋• beijos hotdog diz:
As pessoa devem temer nossa doçura
Flavia Melissa diz:
E estão certas em temer.

Late at night

Juliano-me-myself diz:
Esta hora, assim tão tarde. Que fazes acordada?
Flavia Melissa diz:
Estava sonhando acordada
Juliano-me-myself diz:
E de repente despertou do sonho e se deparou com a realidade?
Flavia Melissa diz:
Não, acordei com a campanhia tocando
Juliano-me-myself diz:
E quem era? O frrrrio?
Flavia Melissa diz:
Não, meu sonho em carne e osso!
Juliano-me-myself diz:
Me ensina a acordar com o sonho virando realidade, vai?
Flavia Melissa diz:
É só abrir os olhos na direção certa
Juliano-me-myself diz:
Menina-poema.
Flavia Melissa diz:
Menino-veneno...!

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Lost in Translation

Ela não queria nada e queria tudo ao mesmo tempo. Acendeu o cigarro e fumou sem pressa, ciente de que cada minuto a mais era um a menos.

Ele – Por onde andou?

Ela, que nem tinha notado sua presença virando a esquina, levou um susto.

Ela – Eu? Por aqui, por ali, em todos os lugares, em lugar nenhum.
Ele – Tenho sabido de você por outras bocas... Como você está?

Ela sente o gosto frio do metal em sua boca. Era só o que faltava. Depois de tanta coisa e na primeira vez que se encontram os pontos do ciso recém arrancado estouram. Não pode sorrir e mostrar aquele líquido vermelho e espesso nos dentes.

Ela – Estou bem, acredite.
Ele – Se você diz eu acredito.
Ela – E você? Por onde tem andado?
Ele – Por aí, ando meio sem rumo, ando meio sem pressa. Ando com saudade.
Ela – Saudade é bom porque mostra que o que passou valeu à pena.
Ele – Melhor do que isso só saber que o passado pode ser presente.

Esforçava-se por não falar demais, o sangue estava ali difícil de ser angolido às pressas, temia engasgar-se. Seus olhos a fitavam incólumes, inefáveis, e ela se sentiu ser transportada para um passado distante, em que dunas e rios eram presentes mais presentes do que aquele sangue na sua boca, do que aqueles pontos estourados, do que o cigarro que quimava seus dedos.

Ele – Olha, vamos dar uma volta, vamos até a praia. Tem coisas que eu queria te dizer.

Sem pensar duas vezes foi.
Todo o seu juízo havia sido arrancado junto com aquele dente.

E os pontos também estouraram.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Chicks

Flavia, Melissa e todas as outras aqui dentro diz:
nosso almoço fica prá semana que vem?
Flavia, Melissa e todas as outras aqui dentro diz:
se não rolar almoço podia ser um café num lugar bacana e metido
- Mercedes© diz:
fica. essa morreu
- Mercedes© diz:
bem bom. adoro lugar metido!

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Ei, Você!

Dá prá devolver meu coração?

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Pseudônimo

Ele entra na sala e a mira, sentada no sofá. Ela não parece notar sua presença, de pé ali, cigarrinho pendendo da boca, óculos de aros de tartaruga. Ele pensa por um instante no que fazer, coça a barba rala e, por fim, decide se aproximar.

Ele: Olá.

Ela pára de falar no mesmo instante em que ouve a sua voz. As pessoas a sua volta também dirigem a atenção àquele homem ali parado, cigarrinho pendendo da boca, óculos de aros de tartaruga.

Ela: Olá você também.
Ele: Incomodo se eu me sentar?

Ela olha rapidamente para os amigos à sua volta e eles se espremem no sofá ao seu lado.

Ela: Lógico que não. Nós... nos conhecemos?
Ele: Eu te conheço muito bem... Mas eu sou um desconhecido para você.
Ela: E de que forma isso seria possível?
Ele: Leio cada palavra que você escreve.

Ela se desmancha em um enorme sorriso.

Ela: Verdade? Que bacana saber disso.
Ele: Bacana é descobrir que você existe de verdade, que não é um alter-ego de algum outro escritor... Como é que se chama isso, mesmo?
Ela: Pseudônimo?
Ele: Exatamente...
Ela: Nunca tinha pensado nisso. Que alguém pudesse achar que sou o pseudônimo de alguém.
Ele: Então escreva sobre isso.

Os amigos que a rodeavam já se afastaram, talvez por considerarem-se excluídos da conversa, talvez porque a conversa de um escritor e um leitor não seja lá tão interessante quanto possa parecer a princípio para pessoas que não sabem de quais palavras estão falando. Ele parece perceber isso e diz:

Ele: Acho que estraguei seu papo.
Ela: Você não estragou nada – acende para si um cigarro – E eu não estava vendo sentido mesmo em passar a festa inteira aqui sentada, ouvindo as pessoas falarem de seus trabalhos como se estes fossem suas vidas.
Ele: mas não continuamos falando sobre seu trabalho?
Ela: Meu trabalho é ser psicóloga, escrever é meu hobby.
Ele: para uma psicóloga você é uma linda escritora.
Ela: Muito obrigada. – sorri, ligeiramente corada – E você, quem é?
Ele: Meu nome é Fábio.
Ela: Muito prazer, Fábio.
Ele: O prazer é todo meu. – Ele apaga o cigarro no cinzeiro – Eu acabei de chegar aqui esperando encontrar um amigo, mas ele não está...
Ela: Ele não está perdendo nada então.
Ele: E você? Gostaria de perder esta festa também?
Ela: Como?
Ele: Vim mesmo só por causa do meu amigo, e ele não está. Não conheço ninguém a não ser minha escritora predileta. E sei que você adora jogar sinuca.
Ela: Hum...
Ele: E por feliz coincidência tem uma aqui do lado.
Ela: Hum...
Ele: A não ser que você prefira continuar ouvindo as pessoas falarem de seus trabalhos como se estes fossem suas vidas...

No dia seguinte ela escreveu:

Ei, você!
Dá prá devolver meu coração?

quarta-feira, 12 de março de 2008

Subentendido

Você também.
(eu adoraria que você tivesse me acompanhado até em casa)


Pode fingir que não me viu.
(eu sei que você me olhou pelo retrovisor)


Não me olha assim desse jeito.
(você sabe que eu me apaixonaria)


Pode sorri o quanto quiser.
(eu ouvi você chorando à noite)


Pode continuar mentindo.
(eu continuo fingindo que acredito)


Pode se achar a última bolacha do pacote.
(em algumas vezes, eu fingi)


Me pede prá acelerar.
(to cansada de ter limites)


Bom dia prá você também.
(acho que sonhei com você esta noite)


Me pede prá ficar quieta.
(eu preciso ouvir seus pensamentos)


O problema não é você, sou eu.
(simplesmente não te amo mais)

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Paralelo

Duas horas atrás ela ouvira a conhecida buzina e correra a abrir o portão. Não o encontrou ali, nem em parte alguma. Havia estado estranho o dia inteiro e ela havia se sentido incomodando quando ele quase gritou ao telefone que precisava trabalhar. Há duas horas atrás constatara que perturbado havia estado ele.

Mensagens em seu celular. Ela havia encostado a cabeça em seu peito, naquela mesma manhã.

Ela: Seu coração está acelerado...
Ele: Estou nervoso com o teste de hoje. – Havia se levantado da cama em um pulo. – Tenho que ir.
Ela: Você trabalha hoje à noite?
Ele: Não sei ainda. Te ligo.

Ao entrar no carro fez uma tempestade em um copo d’água por ter se esquecido dos óculos escuros no trabalho. Aquilo não havia sido nada perto da tormenta que estava por vir.


.

.

Duas horas antes ela havia aberto o portão sorrindo e o beijado, como de costume. E, contrariando as expectativas, ele virou o rosto.

Ele: Estou triste.
Ela: Porquê?
Ele: Vi umas coisas no seu celular hoje de manhã. Mensagens dele, mensagens suas.
Ela: Que mensagens? Dele quem?
Ele: Dele ué. Você sabe.
Ela: Não, não sei.
Ele: Dele te chamando de princesa. De coração.
Ela: Não estou entendendo do que você está falando.
Ele: Dele. Do marinheiro.
Ela: O que tem ele?

Silêncio. Ele fuma um cigarro nervosamente. Não a olha nos olhos. Fita o movimento da rua.

Ela: Fala comigo.
Ele: Não sei o que dizer.

Ela sente o estômago se transformar numa colméia de abelhas.

Ele: Você está tendo alguma coisa com esse cara?
Ela: Lógico que não!
Ele: Mas sabe... A culpa disso é minha. Não é sua.
Ela: Culpa de quê?

Ela sente a voz afinar, sente o choro entalado na garganta.

Ele: Disso. Eu não tenho tempo para você. Nunca estamos juntos.
Ela: Mas não está acontecendo nada! Ele é um amigo!
Ele: Mas rola um affair.
Ela: Não de minha parte.
Ele: E da parte dele?
Ela: Sim, ele fala coisas. E ontem mesmo conversei com ele sobre isso. Que não gostava do tom que ele usava comigo às vezes, céus! Que ironia!
Ele: Vou dar uma volta.

Anda na direção do carro, abrindo a porta.

Ela: Não, fica aqui comigo. Vamos conversar.
Ele: Não tenho cabeça. Suas amigas estão aí.
Ela: Eu mando elas irem embora.
Ele: Vou tomar uma cerveja. Mais tarde eu volto.

O que era um choro discreto se transforma em lágrimas gordas que escorrem pelo canto do olho, borrando-lhe a maquiagem.

Ela: Você não vai voltar.
Ele: Vou sim.

.
.

Fazia duas horas que ela esperava. Esperava ouvir a buzina, tão sua conhecida. As luzes do sensor de movimento do portão se acenderem. Talvez ele sair do carro e gritar seu nome. Fazia duas horas que ela olhava a Lua e tentava entender, sentada encostada naquela árvore que ela havia plantado, anos atrás, em que ponto do filme havia dormido, perdendo um capítulo.

Quando as costas doeram ela se deitou na rede, sempre olhando a Lua, sua Deusa. Sua Deusa de tempos idos, quando ela ainda acreditava em tantas coisas, quando haviam tantos pontos de exclamação e tão poucas reticências.

A luz do sensor de movimento não se acendeu porque ele não embicou o carro na garagem, apenas o encostou ali, no meio-fio. Ela abre o portão e ele entra sem dizer palavra. Sentam-se na sala.

Ela: Porque você fuçou no meu celular?
Ele: Fucei para passar o tempo. Enquanto não dava a hora de acordar.

Mentira. No vocabulário dele não existia a expressão “esperar dar a hora de acordar”. Ele era preto no branco em alguns aspectos. Ou dormia ou acordava. Não ficava deitado na cama esperando dar hora alguma.

Ele: Eu pensei nisso o dia inteiro. Desde o momento em que você disse que meu coração estava batendo forte, hoje de manhã.
Ela: Por isso você me tratou daquele jeito de manhã. Por isso você falou comigo ao telefone daquele jeito. Eu achei que estivesse te perturbando.
Ele: Eu é que estava perturbado.
Ela: Você pensou nisso o dia inteiro. Eu não. Fiquei no escuro, sem saber do que estava acontecendo. Dormi no ponto e perdi o bonde da história.
Ele: Esse cara fica te falando merda!
Ela: Fica, sim. Ou você acha que só você tem olhos para mim? Só você me nota? Eu levo uma vida de solteira mesmo namorando com você, eu estou sempre sozinha. Eu entendo o seu trabalho, mas todas as minhas amigas são solteiras e quando existem três mulheres sozinhas juntam-se seis homens em volta. Mas isso não quer dizer nada!
Ele: Quer dizer que eu deixo existir um buraco na sua vida. O que eu te proporciono? Cansaço, as duas da manhã. Do que eu te falo? De problemas do trabalho, entre as duas e as nove? É isso que você quer ter?
Ela: Até agora era, sim.

Ela agora chora copiciosamente. Não sabe onde está, em que língua fala. Não o conhece, sentado à sua frente. Aqueles olhos não são os mesmos que a olharam tantas vezes enquanto ele sorria. Aqueles minúsculos pés de galinhas se formando ao seu redor.

Ela: Eu tentei me colocar no seu lugar, mas não consegui.
Ele: Porque não?
Ela: Porque você não mudou a sua vida por minha causa. E não te digo isso te jogando nada na cara, te cobrando qualquer coisa. Te digo porque eu tomei as minhas decisões e não me arrependo de nenhuma delas. Mas eu mudei para cá por sua causa. Sem nunca você ter nem ao menos me incentivado a isso, apenas por eu gostar de você tanto assim... Eu te peço tão pouco... O que eu te cobro?
Ele: E mesmo assim eu não passo de uma pedra no seu sapato. Um bloqueio, muito mais do que um parceiro.

Lembranças, lembranças, lembranças. Tudo o que lhe ocorre enquanto ele fala são lembranças. Da primeira vez em que se beijaram. Da primeira vez em que fizeram amor. Dos dois fazendo sand board nas dunas de Floripa. Jantando discutindo negócios, tomando sorvete assistindo televisão. Ele, dentro dela, há menos de 24 horas.

Ele: Este espaço vazio existe porque eu não sou um bom namorado. Porque eu me pergunto, em que fase da minha vida eu estou? O trabalho vai aumentar. Vai piorar. E você vivendo a sua vida, eu te empacando.
Ela: Mas eu prefiro isso a estar sem você!

Silêncio.

As lágrimas caem pesadas e ela sente medo da pergunta que fará em seguida.

Ela: E você? Gosta de mim?
Ele: Gosto.
Ela: O suficiente para ficar comigo?
Ele: Não sei.

Silêncio.

Ela: Eu não estou acreditando nisso... Eu achei que você fosse chegar e eu fosse esquentar comida para você. E, de repente... Isso...

Silêncio.

Ele: Quero ir embora.
Ela: Mas é lógico que quer.
Ele: Porque lógico?
Ela: Porque é o mais fácil. Pode ir.

Mas ele fica. E permanece em silêncio. Quando ela fala ele não consegue responder. Quando responde, tudo o que diz é “não sei”.

Ela: Então está na hora de você pensar para ficar sabendo alguma coisa.
Ele: Certo.

E se levanta para ir embora.

Ela: Então é isso.
Ele: Isso o quê?
Ela: Isso. Você veio para terminar comigo, para dar um tempo. Nada do que eu estou dizendo está entrando na sua cabeça. Não está adiantando nada eu dizer que gosto de você, que quero continuar com você, mesmo que seja do mesmo jeito. Você veio de cabeça feita.

Silêncio.

Ela: Você me conhece há anos, estamos juntos há dez meses. Sabe de tudo o que eu faço por você. Diz que gosta de mim mas não sabe se quer continuar na minha vida. É isso?
Ele: É.
Ela: E tudo isso por causa de uma mensagem?

Silêncio.

Ela: O que eu fiz de errado?
Ele: Nada! Você não fez nada de errado, só que...
Ela: O quê?
Ele: Nada, você não fez nada de errado.
Ela: O que?!
Ele: Eu não sei o relacionamento que você tem com esse cara.
Ela: Olha prá mim. O que você vê?
Ele: Como assim?
Ela: Eu passo o dia te esperando chegar, o que você acha? Qual você acha que é meu relacionamento com ele?
Ele: Você chegou ontem e já passou na casa dele...
Ela: Sim, e passei na casa da Di também. E na casa da Sïlvia.


Silêncio.

Ela: Pelo que você me conhece, pelo que sabe que eu sinto por você... Você acha que eu faria isso?
Ele: Não sei. Acho que não, mas as mensagens...
Ela: Mas as mensagens eu recebi, não fui eu quem as enviou! Não é possível que tudo isso seja por causa das mensagens.

Silêncio.

Ela: Você não sabe se quer continuar comigo?
Ele: Eu não tenho sido um bom namorado.
Ela: Então, se gosta de mim, mude, não termine comigo!
Ele: Já tentei mudar. Não consegui. Eu não consigo te dar o que você quer.
Ela: Mas eu é que teria que decidir se está bom ou não!
Ele: Mas não está bom!
Ela: Então não está bom para você.

Silêncio.

Ela: Se você está aqui para tentar me convencer a terminar com você, esqueça. Eu não vou terminar com você. Eu gosto de você, nestes 10 meses eu te respeitei, nunca agi como uma pessoa que não está comprometida. Eu gosto de você e não quero ficar sem você. Se você quer terminar comigo então seja homem e termine.

Silêncio.
Silêncio.
Silêncio.

Ela faz menção de dizer algo, mas se cala. Não existem, em seu idioma, palavras que caibam na situação.

Ele: Fala.
Ela: Não tenho mais nada para falar.
Ele: Vou embora.
Ela: Tá bom...

Ele se levanta. O abraço é apertado, mas ela permanece sentada no sofá. Chora um pouco mais, ele beija seu rosto no exato ponto em que uma lágrima acaba de tocar a pele.

Ele se vira de costas e vai embora.
Mas, desta vez, ela não se levanta para abrir o portão.
Não vai acompanhá-lo enquanto ele sai de sua vida.
Ele que caminhe, com suas próprias pernas, para a saída.

Ouve a batida do portão e cai em prantos.

Retas paralelas, sem nunca de fato se encontrar.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Repetição

O telefone toca e é atendido no terceiro toque.

- Alô?
- Oi... – Ela torce nervosamente uma mecha do cabelo.
- Alô? – A voz se repete.
- Oi! – Fala mais alto, esforçando-se para não gaguejar.

Um silêncio incômodo toma conta da conversa.

- Um momento, por favor.

Ela ouve passos que se afastam de um ambiente barulhento. Música, conversas, risadas. Os sons se fazem cada vez mais distantes. Uma porta se fecha.

- Olá, pode falar.
- Está ocupado? – Torce novamente a mecha de cabelo.
- Estou numa confraternização do trabalho. Mas pode falar.

Secura. Rapidez. Até mesmo um pouco de irritação, tudo isso presente naquela voz que tempos atrás era como música para seus ouvidos. Respira fundo.

- É que... Bem, você anda sumido.
- Muito trabalho e algumas viagens de negócios. Andei fora da cidade.
- Você disse que me ligaria e eu... Bem, fiquei esperando.
- Não deu.

Não deu. Simples assim. Simples assim, ao invés de todas as desculpas que ela imaginou serem capazes de existir. Sentiu-se tola por esperar tanto para procurá-lo, se seria esta a única resposta que receberia em troca de sua angústia.

- Não deu? Bem... E porque não deu?
- Um momento. – Uma porta se abre. Uma voz feminina diz alguma coisa, mas ela não é capaz de ouvir pois ele já tapou o bocal do telefone com a mão. Uma risada feminina, mais algumas palavras dele. Nova risada dela, risada dele. Porta bate e ele volta a falar. – Oi, me desculpe.
- Vejo que está ocupado. Talvez fosse melhor nós nos falarmos outra hora.
- Não, discordo. Acho que é um ótimo momento para falarmos. Pode dizer.

Ela respira fundo mais uma vez. Procura a bolsa e acende um cigarro, ligeiramente trêmula.

- Você vai me dizer... Bem, o que aconteceu?
- Não aconteceu nada. Já disse, ando ocupado.
- Há algum tempo atrás você me ligaria de madrugada, se estivesse ocupado.
- Bem... Sim, talvez, há algum tempo atrás.

Silêncio. Ela teme dizer mais alguma coisa e ouvir como resposta qualquer uma das justificativas todas que já passaram por sua cabeça. O corre-corre da vida moderna. Muito trabalho no escritório. Seu chefe anda enlouquecendo-o. Ele conhecera uma outra pessoa.

- Você conheceu outra pessoa?
- Bolas, Hanna. Lá vem você de novo com as suas inseguranças.
- Então não conheceu?
- Eu não sei porque deveria responder esta sua pergunta.
- Porque talvez queira que eu acredite na sua resposta?
- Bobagem. Se eu disser que não você não vai acreditar em mim. Vai perguntar quem ela é, se eu já a conheço faz tempo, quantos anos ela tem, o que faz, se é casada, se já foi casada, se tem filhos, se está grávida. Não adiantaria nada eu negar.

Ele a conhecia bem. E ela se detestava por ser exatamente a pessoa que ele achava que ela era.

- Então... Não conheceu?
- Trabalho me relacionando com as pessoas. Conheci muitas pessoas nas últimas semanas.
- Não é disso que estou falando, e você entendeu muito bem a minha pergunta.
- A propósito, e se eu tivesse conhecido? O que teria você a ver com isso?

Dá um trago no cigarro, soltando a fumaça com força.

- Nada. Eu não teria nada a ver com isso.
- Ora, não faça isso com você mesma. Você sempre faz isso.
- O que eu estou fazendo?
- Sentindo pena de si mesma. Isso me dá nos nervos.
- Eu não estou sentindo pena de mim mesma. Estou apenas tentando entender porque é que você sumiu.
- Mas é aí que não estamos concordando. Eu não sumi. Não sumi porque nunca estive aí de verdade.

Uma dor profunda e lancinante na boca do estômago, como se tivesse sido alvejada por cem facas ponteagudas.

- O que você quer dizer?
- Acho que você sabe, Hanna.
- Não, eu não sei.
- Você espera de mim coisas que eu não sei dar. Você espera que eu seja uma pessoa que eu não sou, e a cada vez que percebe que não sou esta pessoa você me julga e acha que o problema é que você não é boa o suficiente. Que não foi boa o suficiente.
- Isso não é verdade!
- É sim, e você sabe disso. Quando nos conhecemos deixei bem claro que não queria me envolver. Eu disse que não tinha pretensão nenhuma de me casar, de ter uma família, filhos, de sequer planejar um final de semana em comum. Eu nunca disse a você coisas que eu não poderia cumprir.
- Mas... Nós planejamos finais de semana!
- Não. Você planejava os finais de semana, os seus finais de semana, em função dos meus. Eu nunca planejei nada.
- Mas... – As palavras fugiam-lhe à mente. – Mas eu... Eu terminei meu noivado por sua causa!
- Não, você terminou o noivado por sua causa, e por mais ninguém. Você não gostava mais do seu noivo, não suportava a idéia de ter de passar o resto da sua vida ao lado dele. Eu fui apenas o catalizador disso.
- Não é verdade! Você disse que eu deveria deixá-lo! – As mãos tremem a ponto de derrubar o cigarro nos lençois da cama.
- Sim, e continuo achando que fez bem, se não o amava mais... Mas eu nunca disse para abandoná-lo por minha causa. Nunca lhe prometi nada.
- Nem apenas palavras formam uma promessa! Olhares também prometem!

A risada que ouviu do outro lado da linha começa tímida e termina em uma gargalhada.

- Olhares? Olhares querem dizer alguma coisa agora?
- Seu... seu...
- Ora, Hanna... Me poupe da sua conversa. O negócio que tínhamos sempre foi muito claro. Nos vemos, trepamos um sexo sujo e sem romance, às vezes passamos a noite juntos, às vezes não. Quando posso te telefono, quando pode você atende. Sem promessas, sem juras de amor. Sem amanhã.
- Mas da última vez... Da última vez foi você quem quis reatar!
- Reatar? Do que você está falando?

Ela se enerva. As palavras fogem-lhe. Ela sente ódio.

- Da última vez em que você sumiu. Foi você quem me procurou. Se não queria nada comigo, porque me telefonou? Já havia sido bastante sofrida a primeira vez...
- Mas do que você está falando? É claro que eu queria alguma coisa com você. Queria com você exatamente a mesma coisa que tivemos.

Ela não quer, mas começa a chorar ao telefone. Se esforça para controlar as lágrimas, mas as lágrimas não querem ser controladas, querem ser choradas em um choro descontrolado e triste.

- Ora, Hanna... Vamos lá. Nos divertimos juntos, rimos, bebemos, tivemos ótimas noites de sexo. Para que complicar tudo?
- Porquê? Que tal “porque eu amo você?”
- Não diga isso, não é verdade. – Silêncio – É impossível que você me ame quando...

Silêncio. Impossível continuar.

- ... Eu não sinto o mesmo por você. – Seu tom de voz muda. – Puxa, Hanna... Eu nunca imaginei. Nunca mesmo, eu...
- Não diga mais nada. – As lágrimas corriam livres, soltas e tristes por seuas faces – Por favor, não posso mais...
- Hanna, me desculpe, de verdade. Se eu soubesse disso antes eu...
- O quê? O quê teria feito?
- Bem, eu não teria te procurado tantas vezes. Não, definitivamente não teria passado da primeira noite.

Silêncio e mais silêncio.

- Vou desligar. Por favor, não me procure mais.
- Não... Pode ficar tranquila. Não volto a te procurar Hanna. Eu... sinceramente espero que seja feliz.

Palavras erradas.
Todas erradas.

Repetição.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Aceitação

A porta bate mais silenciosa do que era de costume; ela prende a respiração involuntariamente, sentindo-se um pouco tonta.

Ouve passos no corredor e fita a entrada do quarto com olhos atentos, mas os passos param antes de chegar à sua porta. Depois de alguns segundos os passos tornam-se mais distantes e baixos, até se tornarem inaudíveis.

Ela olha pela janela. Lá fora faz um belo dia de primavera, as trepadeiras começando a ostentar os pequenos botões amarelos que, em alguns dias, serão flores em seu parapeito. Nuvens muitos brancas e fofas ornam o céu profundamente azul. Nada lá fora se parece com a tormenta que se passa em seu interior.

Caminha pelo corredor até a sala, mas é na cozinha que vê seu vulto. Ele coloca uma chaleira no fogo.

Ela: Chegou cedo.
Ele: Não me senti bem.

Ela percebe que é de propósito que ele evita seus olhos e amaldiçoa-o por ser tão transparente. Raios, como isto poderia ser mais fácil?

Ela: Fiz panquecas de batata e legumes para o almoço. Estão bons ainda, posso esquentar para você.
Ele: Não se incomode. Estou sem fome.
Ela: Tem certeza? Não levaria mais do que dois minutos...
Ele: Obrigado. Não se incomode.

O ventilador gira no teto, um casal de passarinhos parece discutir em um ninho em uma das árvores do jardim. Sons que fariam falta, fariam sim. Ela se senta à mesa da cozinha, alisando a toalha com as pontas do dedos.

Ele: Você está pronta?
Ela: O que quer dizer?
Ele: Quer dizer, você está pronta?
Ela: Eu não sei. Acho que nunca vou saber.
Ele: Eu achei que você tivesse certeza.
Ela: Eu também.

Dois pares de olhos azuis encontram castanhos; ela sente uma fisgada no peito para logo depois constatar que os olhos azuis já se afastaram dela, fitando novamente a chaleira como se isso fizesse a água ferver mais rápido.

Ela: Eu não queria que fosse assim.
Ele: Ninguém queria. Eu acho que isso é natural.
Ela: Natural?
Ele: Eu quero dizer... Estas coisas acontecem, não é? Do pó viemos, ao pó voltaremos...
Ela: Não diga isso.
Ele: A volta dos que não foram... Conhece esta expressão? Sempre me perguntei sobre seu significado. Hoje à tarde eu o descobri.
Ela: Qual é?
Ele: É porque ainda não chegaram onde tinham que chegar. Entende? A volta dos que não foram... Porque não foram... Ainda.
Ela: Eu entendo.

O relógio bate as seis horas; como de costume, na terceira badalada eles começam a ouvir as do sino da Igreja, a dois quarteirões de distância. Sôfrego. Violento. Cada badalada é uma facada em seu peito e ela luta para conseguir dizer as palavras que precisa até o final.

Ela: Eu pensei um pouco e...
Ele: Sim?
Ela: Não sei se isto é o mais correto de se fazer.

Olhos azuis voltam a encarar os castanhos. Estaria enganada ou percebera neles uma faísca de esperança?

Ele: O que você quer dizer?
Ela: Quero dizer que não tenho mais certeza se é isso que eu quero.
Ele: Não tem mais certeza?
Ela: Não, bem... Quero dizer, já faz tanto tempo. Talvez desta vez eu esteja, afinal, pronta.
Ele: Você tem certeza do que está dizendo?
Ela: Não mas, afinal de contas, do que é que podemos ter certeza? Só de que vamos morrer um dia.

Ele se aproxima e pega seu rosto com as mãos. Sem conseguir se controlar beija sua boca, suas faces, sua testa, seus olhos.

Ele: Você sabe o que isso quer dizer?
Ela: Que nós vamos ter um bebê. Se você ainda quiser.
Ele: Não faz o menor sentido desistir dele.
Ela: Não, não faz.

Uma fina lágrima escorre do canto de um dos olhos azuis. Os olhos castanhos tornam-se repentinamento mais brilhantes.

Ele: Obrigado.

A chaleira apita, liberando uma fina e volátil coluna de vapor. Lá fora, sem que ninguém testemunhe, a primeira flor amarela se abre. É Primavera.

sábado, 22 de dezembro de 2007

Pendências

Encontram-se na rua.

Ela: Ei!
Ele: Hein? – Volta-se na direção dela. – Ah, é você.
Ela: Sim, sou eu. Eu te liguei algumas vezes, você viu?
Ele: Âhm... Vi sim.
Ela: E não me retornou a ligação porque?
Ele: Ando ocupado.

Silêncio. Ele olha para os lados, parecendo aflito.

Ela: Pode ficar tranquilo. Ninguém vai nos ver conversando.
Ele: Eu não estou preocupado.
Ela: Se não houvessem motivos de preocupação, porque não me retornou as ligações?
Ele: Já disse, eu ando ocupado.
Ela: Sim, você já disse, mas eu não acredito. Eu acho que você não quer falar comigo.
Ele: Mas é claro que... – Coloca a mão no bolso. – Porque eu não haveria de querer falar com você?
Ela: Porque você acha que se não me vir mais, o passado vai desaparecer e você vai poder viver em paz.
Ele: Mas o passado já passou. Não existe mais nada.

Ela o fita longamente. Ajeita a bolsa nos ombros e cruza os braços.

Ela: Então você já a esqueceu?
Ele: É claro que não. Isso não é possível.
Ela: Então nada passou. Tudo continua vivo aí dentro. E aqui dentro também! Você não acha que a gente deveria resolver esta pendência, pros dois poderem seguir suas vidas em paz?

Ele parece pensar por alguns momentos. Uma senhora conduzindo um cão Labrador passa por eles, fazendo com que ele tenha que dar um passo á frente para desviar da rota do enorme cão preto. Fica a alguns passos dela, desconfortavelmente mais próximo. Quase consegue ouví-la respirar.

Ele: Você até pode estar certa.
Ela: E então...?
Ele: E então que eu acho que não vai fazer diferença. Você não vai mudar sua forma de pensar e eu não tenho mais paciência de ficar me explicando, cinquenta mil vezes.
Ela: Mas você nunca se esforçou para que eu pensasse diferente! Desde que... Desde que tudo aconteceu, você simplesmente se recolheu no seu cantinho, na sua vida aparentemente perfeita, na sua nova...
Ele: Vamos parar por aqui. Esta conversa não faz sentido.
Ela: Prá você nada faz sentido nunca. Explicar o porque de ter ido embora, por exemplo...
Ele: Mas era preciso alguma explicação? Tudo estava tão explícito!
Ela: Prá você! Não para mim, não para nós. Você simplesmente deduziu que a sua realidade fosse a única e se mandou! Não fez questão nenhuma de minimizar os traumas!
Ele: Está vendo? É por isso que não retorno suas ligações. Porque você é igualzinha a ela e, se eu gostasse disso, nunca teria ido embora.
Ela: Você não ouse...

Ele troca a pasta de mão, ajeita a gravata no pescoço e faz menção de ir embora.

Ele: Viva a sua vida da melhor forma que puder. Esqueça tudo isso, supere, se case e tenha a sua família. Meu solo é árido para a sua semente.
Ela: Mas...
Ele: Eu não a matei. Ela se entupiu de todos aqueles remédios porque quis e eu não vou carregar esta culpa!

Vira-se de costas e começa a andar.

Ela: Pai! Não vá embora, volte aqui... Pai!